#ArteviewNaPlateia – Review do musical Nossa história com Chico Buarque

Por Léo Braga

Por que é tão difícil errar ao montar algo com as músicas de Chico Buarque? Será que é apenas porque o Chico é o melhor de todos os nossos compositores (e só a minha opinião importa!)?

Nossa história com Chico Buarque não se resume apenas às suas músicas, mas também à presença de duas atrizes excepcionais que interpretam suas obras: Soraya Ravenle e Laila Garin. Sou apaixonado por suas vozes e interpretações. Ambas já brilharam em consagradas peças do compositor: Soraya fez Terezinha em A Ópera do Malandro, enquanto Laila interpretou Joana em Gota d’água (e que responsabilidade!).

A peça segue a trajetória de uma família em três momentos históricos distintos: 1968, um ano cruel com a implantação do AI-5 durante a ditadura militar; 1985, quando começávamos a emergir daquele período sombrio da História; e 2022, ao deixarmos mais uma fase obscura com o fim da era Bolsonaro.

Na primeira fase, Laila interpreta Iracema, a mesma personagem que Soraya assumirá na segunda fase. Nessa etapa, Laila interpreta Carolina, originalmente de Luisa Vianna, e Soraya assume o papel de Carolina na última fase, enquanto Laila passa a interpretar Bárbara. Embora possa parecer confuso, essa troca de papéis é intencional para mostrar as diferentes gerações ao longo do tempo. Admito que, em uma parte do texto, fiquei um pouco perdido sobre quem era quem, mas a visualização em cena torna tudo mais claro do que explicar. (no programa, inclusive, tem um “carômetro” que ajuda muito).

Independentemente da minha lentidão, é evidente que, além das atrizes mencionadas, todos os atores em cena possuem qualidades incríveis, seja em canto ou atuação, ou ambos. Luisa Vianna me encanta desde a primeira vez que a vi, assim como Artur Volpi, a quem venho acompanhando desde antes de entrar no circuito profissional. Alguns, como Larissa Nunes e Heloisa Jorge, eu conhecia pouco, mas essas atrizes são verdadeiros furacões em cena, com presenças marcantes e vozes potentes.

O cenário, embora duro e seco, parece mal acabado em alguns aspectos. Isso, no entanto, faz sentido, considerando que a peça se passa em anos difíceis e áridos. André Cortez entrega uma estética que reflete bem o contexto histórico. Já os movimentos, uma das minhas partes preferidas do espetáculo, são belíssimos e remetem à luta de cada brasileiro que resistiu e resiste há anos. Fabrício Licursi é responsável pela movimentação de cena.

A direção musical também teve um grande desafio, pois são muitas músicas. Embora nem todas estejam inteiras e algumas sejam apenas trechos, Alfredo Del-Penho conseguiu deixar tudo coeso, além de elaborar arranjos excelentes.

Entretanto, o que poderia ser um erro na montagem acontece justamente com as músicas. Às vezes, ficamos na expectativa de ouvir mais um pouco de uma canção e isso não ocorre. Algo que realmente não me agrada é a inserção de versos de músicas no texto falado, como em “Quem que te mandou comprar conhaque com o tíquete que te dei pro leite?”. Apesar disso, não chega a ser um grande pecado.

O texto é de Rafael Gomes (também diretor) e Vinícius Calderoni. Meu pai costumava dizer que o Vinícius era um gênio, e eu concordo. Aprecio autores e diretores que não subestimam a plateia, e Vini e Rafa fazem exatamente isso. Eles provocam reflexão e mantêm o público alerta, tanto para a história contada quanto para a História em si.

Apesar de ser uma peça política, ela também fala de amor. É um espetáculo que, embora forte, é delicado. Esses elementos parecem vir de Chico, mas na verdade são frutos da mente criativa dessa dupla de escritores, e não consigo imaginar elogio maior.

Nossa História Com Chico Buarque cumpriu temporada no Teatro Riachuelo, no Rio de Janeiro, e agora aguardamos ansiosos para vê-la nos palcos paulistanos em breve.